Uma coisa vem acontecendo com meu algoritmo: eu vejo vídeos de algumas gringas que adoro muito, como a querida Mina Le e a Zoe (zoeunlimited). Cada uma tem seus tópicos e apesar da abordagem ser diferente, ambas falam sobre coisas atuais que afetam as pessoas (principalmente mulheres e o público mais jovem), questões de autoconhecimento, mídias sociais, questões corporais, etc., ambas abordam críticas sociais em alguns momentos. Além delas, também tive uma obsessão rápida com o canal da Chad Chad, mas a querida aparece uma vez por mês — e é muito engraçada. Ela aborda as coisas com crítica, humor e ironia, não tem como não ficar presa nos vídeos — tudo isso pra dizer que, consequentemente, a plataforma me sugere outros relacionados, o que envolve pessoas falando de outras por N motivos. A Zoe, por exemplo, analisa pessoas virais da web e famosos por uma perspectiva de marketing (o que é muito interessante), e outros canais começaram a aparecer falando de perfis daquela rede, e no meu texto rebele-se, são tempos quadrados há o seguinte trecho:
O mundo online é uma peça bem cafajeste: os cenários são falsos, as edições são muitas, os cortes são precisos, a luz é regradinha, enfim, é tudo pelo *aesthetic* e é óbvio que algumas coisas são lindas de se ver (eu perderia horas vendo vídeos de gente arrumando e decorando a casa), e através de uma youtuber estrangeira soube que recentemente algumas pessoas que fazem vídeos *naquela rede* admitiram as mentiras que já contaram (ou seja, que venderam) para a audiência.
Ultimamente outro canal começou a aparecer enquanto deixo os vídeos rodarem e faço qualquer outra coisa relatando pessoas expostas por serem muito contraditórias em relação ao discurso e a prática. Uma delas se declarava como uma criadora de conteúdo de positividade corporal (ao mesmo tempo que se chamava de skinny legend), e ao mesmo tempo deixou escapar que não comia nada até as sete da noite e mais de uma vez apresentou métodos de práticas nocivas que podem desencadear, incentivar ou piorar distúrbios alimentares; outra era uma dessas que se dizem “girls girl” e zombou de uma menina de 21 anos por aparentar ser mais velha, e ao mesmo tempo que reproduzia um roteiro básico de amor próprio, editava o rosto da própria irmã mais nova —, enfim, no mínimo contradições e inconsistências acompanhadas de hipocrisia. Isso é só um exemplo, sabemos que muitas pessoas foram expostas ao longo dos anos por não serem honestas com o público (e segue dessa forma, um salve pro grande felino laranja com listras pretas — uma vítima do sistema ou um vacilão?), e tudo isso vem de um ciclo que começou de fora da internet para dentro dela.
Estranhas fases do mundo digital
No início, a internet era um lugar para conversar, jogar, postar fotos com aqueles filtros prontos (são o p&b desgastado da nossa era), ter mais acesso, enfim. Surgiram os youtubers e era tudo diversão, bobeira e alegria, e aí os espaços de trabalho começaram. Não somente isso, mas as redes foram atualizando e ganhando cada vez mais usuários — qualquer pessoa estava ao seu alcance.
A pressão estética já existia muito antes da internet ser uma ideia, mas assim como todas as outras coisas no mundo, também se modernizou. Como uma mulher crescida nos anos 2000, acho que a maioria sentia inseguranças porque nosso retrato de “como ser” eram as modelos inacessíveis, atrizes, cantoras, enfim, tudo que passava uma impressão de impossível e perfeito. Aos poucos, pessoas comuns conquistavam espaços e também iam se tornando perfeitas (mesmo que não fosse verdade) e inacessíveis, mas mesmo assim tudo parecia muito genuíno (lembro que umas preferiam morrer a admitir que tinham feito uma cirurgia plástica em estado perpétuo de negação), e ainda assim parecia tudo natural. Não sei como fabricaram essas noções em nós, mas por um bom tempo deu certo.
De lá para cá, passamos por mudanças demais. Lembram que mandei um beijo pro temercore 2016’s club no texto citado e vinculado acima? [se não, vai ler depois!] Pois vamos lembrar dessa época de novo: mulheres começaram a fazer vídeos voltados para outras mulheres e meninas (sobre o corpo, sobre menstruação que era um tabu absurdo [passávamos os absorventes uma para a outra na escola como se fosse droga pros meninos não verem], sobre relações sexuais e amorosas, alertas, perigos, feminismo no geral, etc.), e tudo isso gerou um movimento que eu ainda considero genuíno, pessoas aceitando seus corpos, sexualidade, se libertando de amarras sociais e estruturas opressoras e experimentando a liberdade por si só, se radicalizando pelo simples ato de se permitir viver, e de fato isso era e continua sendo ousado, político e revolucionário, além de um ato imenso de coragem.
[volto a lembrá-los da onda de conservadorismo que vem crescendo e como isso tenta nos silenciar, humilhar e degradar.]
Então apesar de muitas conquistas e conscientização, vivemos um retrocesso — gordofobia, homo&transfobia, racismo, misoginia —, e muitas pessoas (como as expostas que citei) são coniventes com a onda que se cria de perfeição. Todo mundo sabe que a rede de lá é cheia de mentiras (aqueles trinta segundos não refletem vinte e quatro horas), pessoas falando o quanto se sentem mal nela porque se comparam com uma foto, um vídeo — e baby, você está se comparando com uma produção.
E por falar em produção, vamos falar de performance?
Foi mal. É que dá like, sabe? :/ [performances da vida e sua conveniência]
Fiquei sabendo recentemente de um certo acontecimento de uma certa pessoa que instigou ódio para a outra [meus advogados vozes-da-cabeça-ltda me proibiram de dar nomes]. Não bastando, a pessoa 1 mandou mensagem para a pessoa 2 pedindo perdões e desculpas por ter feito isso, disse que se sentia mal e tudo o mais. Poxa, errar é humano né? Em seguida, ela disse que ganhou muitos seguidores com esse estímulo que levou terceiros a propagarem ódio pela pessoa 2, que nem mesmo concordava com coisas que a própria falou [???] e que instigaram mais ódio. Contudo, entretanto, toda via, ela não queria apagar nada porque, poxa, rendeu vários likes :/ e o que eu entendi disso foi: “você pode segurar um monte de gente falando um monte pelos meus números, né? Você pode, encarecidamente, gentilmente, por obséquio, aceitar esse ataque porque isso me deu um retorno, e ainda por cima pode me perdoar? Porque na verdade eu gosto muito de você.”
Ela não concordava com tudo que disse — mas não vai apagar. Ela sabe a onda de ódio que isso gerou — mas não vai apagar. Essas pessoas seguiram ela pelos motivos errados — mas ela não vai apagar. Se você ganha uma penca de seguidores por conta de ódio e ataques e acha ótimo, o que isso diz sobre você? E quando você cometer o mínimo deslize, porque ninguém nasce moldado nos louros da sabedoria, o que essas mesmas pessoas movidas pelo ódio vão fazer com você? “Eu preciso disso”, desse jeito?
Isso foi um exemplo muito simples de performance. Existem as outras — como quem fala sobre positividade corporal “mas” (assim como a garota citada no início), quem jura apoiar algo sério (como lgbts, mulheres, questões raciais) mas é pelo hype, pela curtida, pelo engajamento, pelo número. O evento anual das grandes empresas colocarem o arco-íris no icon em junho e fazer uns três posts sobre lgbts é uma coisinha detestável.
A gente sabe que uma certa doutrina religiosa anda rendendo engajamento também. Será que a alta do conservadorismo é só uma reflexão do lucro dele? Óbvio que há quem realmente acredite nessas coisas porque é muito fácil, não precisa nem pensar pra seguir essa doutrina, mas não é curioso como alguns conteúdos são impul$ionados e engajado$ de uma certa maneira em diferentes meios e formas? Porque nós sabemos o quanto o lado de lá é hipócrita (e no off vivem muito as coisas que condenam), mas também sabemos que não é só isso. Onde houver estardalhaço demais, haverá dinheiro.
O ponto é que muitas vezes, como a pessoa 1, as outras nem acreditam naquilo — mas é conveniente. Viu como os dois C’s aparecem aqui de novo? [nem conveniente, nem conivente — rebele-se!]
Além de tudo isso, me pergunto se algumas pessoas se contêm (ou exageram) porque sabem que o que são não vai agradar ou não vai ter alcance suficiente. Então no meio disso há quem jura que é legal, que se importa, que isso e aquilo — porque é conveniente. Isso não define se a pessoa como um todo é ruim ou não, mas é uma atitude no mínimo questionável. Descobrir que alguém que se gosta e parece ser um aliado não é nada daquilo causa uma certa mágoa. J.K. Rowling deve ser o exemplo ideal pra isso: quando tudo ficou claro, a decepção foi enorme. Quando saía a notícia de um homem já era bastante decepcionante, mas quando era uma mulher eu me sentia pessoalmente traída. Uma sensação de “somos alvos do mesmo tipo de pessoa, como pode nos dar as costas?”, e foi muito triste quando entendi que tínhamos um perigo/opressão em comum e “apenas” isso, e que outras pessoas também são o alvo de algumas mulheres porque independente do gênero, a posição socioeconômica (e as influências religiosas) falaram mais alto. Não faz muito tempo que tivemos uma mulher assumindo um lado que prejudica minorias — e no início ela se valia justamente dessas minorias, praticamente explorando uma causa em prol do crescimento próprio (mas foi mal, é que agora like dá dinheiro, sabe? :/ eu sei que vocês morrem e tal mas…). Quem não se declara, se esconde. São pessoas que não falam sobre, não deixam claro se existe um apoio ou não (lembrou de alguém?), mas se presume que sim, e nosso erro é presumir.
[gostaria da oportunidade para lembrar que quando falamos de consciência de classe, não se trata só da parte monetária. Mulheres são uma classe, e temos uma diversidade enorme de mulheres com diferentes realidades sociais, econômicas e culturais, e dentro disso uma diversidade maior: religiosa e regional, por exemplo]
Tudo isso para dizer que existem dois tipos de performance: a que finge gostar ou apoiar (mas não se importa ou não gosta) e a que finge detestar. Isso não se limita ao assunto das minorias e entra no universo pick me, e talvez não exista algo com menos autenticidade do que isso. Independente do que esteja relacionado, existe uma energia forçada ali. Nós sabemos detectar uma dissimulação pessoalmente e ainda mais quando existe uma convivência regular, mas a internet cria uma barreira nesse sentido. Você pode criar uma conta “eu odeio torta de morango” enquanto come a bendita torta e ninguém vai saber — da mesma forma que a pessoa 1 deliberadamente inflamou um movimento a respeito de outra pessoa e depois mandou mensagem pedindo perdão e dizendo que amava. Imagina se odiasse de verdade? Mas é que deu like e seguidores, sabe :/
Foi tudo pras cucuias — bora se resgatar?
No meio dessa falta de verdade ou simples realidade que parece ser tão ampla tanto no online quanto no off, é necessário reafirmar as coisas como são, assim como se reafirmar como você é.
O intuito disso tudo é lembrar que você não precisa ficar como um detetive ou em paranoia achando que nada é real, mas para lembrar que a boa parte ou não é, ou não é bem assim. A gente só mostra aquilo que quer que seja visto e da maneira que queremos que seja visto. A realidade deu as mãos à autenticidade e ambas foram pras cucuias, tanto no discurso quanto nas aparências.
[acho que parte do motivo de tantas pessoas sentirem falta da JoutJout é que ela era muito autêntica e o modo de falar também, uma coisa hippie natureba (eu amo), leve e com um ar sincero. eu sinto isso com o Jean Luca, por exemplo]
E você? Como percebe esse âmbito e como se percebe? Nós sentimos a nossa realidade a cada segundo do dia, e é por isso que a outra (que a gente nem conhece inteiramente) parece melhor.
Hoje existem recursos em excesso para projetar a perfeição nas telas e na pele. Volto a insistir: pessoas ficando com a mesma cara, magreza extrema voltando a ser exaltada, edições, roteiros prontos cuspidos sem qualquer compromisso, outros feitos e desenvolvidos de acordo com a conveniência que isso traz, meu deus.
[o assunto da magreza extrema pode ficar para outro dia mas quero pontuar uma coisa: não. é. natural. Você precisa, literalmente, se obrigar a passar fome. É seu corpo demonstrando que precisa de algo; isso tira todas as suas forças e não é a perfeição que acham que é. É um estado do corpo — ponto. Nenhum excesso é saudável e eles podem e vão tirar tudo de você — não só a sua vida, mas tudo ao redor dela, tudo que deveria preenchê-la. Ideais são produtos criados pra vender mais produtos.]
Existe corte, luz, edição, correção, ângulo, filtro e segundos. Existe a mentira por si só e o exagero a troco de sabe-se-lá-o-quê. Não tinha dado nem duas semanas inteiras de janeiro quando alguém disse que já tinha lido vinte livros. A vida não é uma competição — hobbies que criam comunidades não são uma competição e números são superestimados, não valem mais do que conteúdo e relevância — temos exemplos bem vívidos e frequentes disso.
Existe verdade, compromisso e seriedade, mas sinto que houve uma crescente da direção oposta e esses disfarces induzem o público de tal forma que quase são tão ruins quanto a podridão em si — mas quando você a vê, sabe exatamente o que é. [quem se livrou de vez da ex-rede-passarinho sabe do que estou falando; o cafofo do adolfo é o inferno cru, não tem como ser mais óbvio do que o que se tornou]
Às vezes a pessoa que você vê do outro lado e queria tanto ser não existe, talvez você queira algo que ela pareça ter — ou realmente tenha, principalmente quando se trata de financeiro e principalmente quando é uma quantidade de dinheiro tão ridícula que compra tudo, e mesmo assim nota-se uma ou mais faltas internas, ou de dentro para fora, enfim.
Se forçar a um encaixe só tira de você, e você vai acabar indo pras cucuias também. Quantas vezes a gente se perde quando estamos bem ao lado? Aceitação não é fácil, sempre tem algo que queremos melhorar (eu seria muito hipócrita se dissesse que não), mas é possível buscar essas coisas tendo gentileza consigo — e principalmente paciência. Hoje também se vende a ideia de soluções instantâneas (alô lipolad&peelling) e já vimos os riscos e consequências de procedimentos. Até mesmo essas coisas que vendem em potes e juram emagrecer (uma mulher já morreu por usar isso e diziam ser algo “natural”; a natureza também produz veneno viu? Além de que qualquer coisa pode te intoxicar dependendo da dose), até discursos de coisas que parecem muito fácil e simples como amor próprio — reforço que não é e que exige paciência. É um trabalho diário e inconstante porque tudo é inconstante — e nós somos seres inconsistentes.
Amor próprio também envolve as ideias e a fidelidade de si, agir como se é — o ser por si só.
O que posso dizer é: não se perca tentando se encaixar no impossível. Tudo é terrivelmente impossível — e terrivelmente porque é cruel. É vendido como algo simples, fácil, instantâneo e até natural, muitas vezes com esses quatro juntos, e não é. A pele tem poros, essa “pochetinha” como chamam é a proteção do seu útero, estrias são marcas de mudanças do corpo que acontecem com todo mundo ao longo dos anos, biotipos e genética existem, somos uma combinação histórica de células.
Não compre essas ideias — elas só vão te levar a mais consumos.
Se cerque daquilo que passa verdade e conversa com o seu universo. Uma vez que você for se entendendo e se descobrindo, se permita ser fiel a si e as coisas ficarão mais leves. As performances, seja de discurso ou de prática, são um meio de buscar validação -ainda que não se acredite plenamente naquilo- quando na verdade a aprovação mais essencial na vida é a sua.
Mesmo que não digam, todo mundo se sente atrasado, todo mundo se sente insuficiente, todo mundo se sente um fracasso em algum momento, enfim — todo mundo sente a humanidade como ela é, mas nem sempre admite. Cansamos de ver pessoas que querem passar uma imagem de felicidade plena e infinita, de apenas boas vibrações, de satisfação, plenitude, de perfeição e de constância.
Que se dane! Abrace a inconsistência! Tem dias que você vai se odiar, que tudo vai estar uma porcaria, que a vida não vai estar nem perto de ser o que se esperava dela — é normal. E essa sensação passa — e volta. Do mesmo modo que o prazer passa (e volta), que a felicidade passa (e volta), que o amor acaba — e te reencontra. Não é muito diferente de viver um luto; vida e morte são montanhas russas constantes que nós sentimos de diferentes e diversas maneiras.
Concluindo, estamos cheios da epidemia de coaches que juram que sabem o segredo do sucesso, como ficar rico pipipi, popopó, e também temos as dondocas do século vinte e um que te dizem o que fazer, o que usar, como se comportar — gente te dizendo o que fazer e o que ser de todos os lados, de todas as distâncias — de perto e de longe. Seja aquilo que você quer e consegue ser com o que estiver ao seu alcance, mas que venha de dentro, não de fora.
A pessoa que você realmente é vai te perseguir até que você a abrace com carinho. É melhor se abraçar enquanto tudo te manda seguir qualquer outra forma.